Esta publicação faz parte da newsletter Cenas do Agora, onde compartilho minhas crises existenciais em crônicas leves que buscam captar a essência do cotidiano.
Quarta, 08 de janeiro de 2025.
Ed. 01 . Ano I.
Esta semana, não se fala de outra coisa: a internet e a imprensa só têm olhos para a totalmente premiada Fernanda Torres. Conhecida por papéis icônicos como a Fátima de Tapas & Beijos e a Vani de Os Normais, Nanda, como é chamada pelos mais chegados, conquistou a internet sendo uma espécie de meme ambulante. "Eu me sinto um Pikachu", "Totalmente drogada" e "Você tem algum preconceito? Contra crente" são apenas alguns dos bordões que caíram na boca do povo e que ela assumiu com orgulho. Segundo a própria, fazer sucesso hoje em dia é ser meme.
Na madrugada de segunda-feira, em pleno Dia de Reis, Fernanda foi premiada com a estatueta de Melhor Atriz no Globo de Ouro, o segundo prêmio mais importante de Hollywood. O Brasil, claro, entrou em clima de Copa do Mundo. Só não pintaram a cara da Fernanda Torres nas ruas porque ninguém teve tempo de organizar.
As perguntas de "Será que dá Oscar este ano, hein?" misturam um desejo de vingança pela estatueta que Fernanda Montenegro (a "Fernandona", mãe da Nanda) não ganhou em 1999, com uma necessidade de felicidade coletiva que o Brasil não sente desde o Penta, na Copa do Mundo de 2002. O brasileiro é naturalmente festivo e está sempre em busca de uma boa oportunidade para comemorar.
A lista de indicados ao Oscar sai na próxima semana, dia 17/01, e, se depender dos compatriotas da Nanda nas redes sociais, a Academia já pode cancelar a cerimônia e entregar o prêmio diretamente para ela. Quando o assunto é causar alvoroço online, o brasileiro não tem concorrência.
O mais curioso, no entanto, é que, por mais que a Fernanda Torres tenha trabalhos incríveis no currículo, o que realmente a fez cair nas graças do público foi sua autenticidade. São as suas frases espontâneas e, muitas vezes, naturalmente cômicas, como se tivessem saído de um roteiro da Fernanda Young, que despertaram a adoração coletiva. Em uma sociedade onde tudo parece tão padronizado , das roupas às séries que assistimos, passando pelas opiniões e até os destinos que viajamos, descobrir que ainda há espaço para a espontaneidade é um sopro de alívio. Em tempos em que o cabelo repartido com toneladas de gel domina o visual, é reconfortante ver alguém aparecer na GloboNews com o despenteado clássico de quem foi para uma festa e estava cansada demais para lavar o cabelo antes de dormir.
Mulheres como Fernanda Torres e Rita Lee são exaltadas na internet justamente por aquilo que as torna únicas, enquanto, na vida real, somos constantemente pressionadas a nos encaixar em moldes iguais. Especialmente as mulheres. É preciso ser divertida, mas não engraçada demais; inteligente, mas sem demonstrar tanto a ponto de parecer "sabichona"; carismática, mas com cuidado para não ofuscar o homem ao seu lado, seja ele o seu namorado ou o seu chefe.
Muito se falou sobre como Fernanda é uma inspiração para mulheres 50+ em termos de carreira e contra o etarismo, e é verdade — desde que se faça um recorte de classe e raça para evitar cair naquele feminismo raso de revista dos anos 2000. Mas, para mim, o mais inspirador é ela ser aclamada pela sua espontaneidade. Isso dá esperança para nós, mulheres meio Fernanda Torres, que nem sempre damos respostas protocolares, que somos frequentemente chamadas de "metidas a engraçadinhas" ou "sinceras demais". Há espaço para nós. Não precisamos dobrar nossa personalidade para caber na caixinha que nos deram.
Obrigada, Nanda, por me lembrar que a vida presta e que, aos 27, ainda terei muitos momentos para me sentir como um Pikachu.